quinta-feira, 19 de março de 2015
Santos representados na Igreja da Lapa
Na Igreja da Lapa há imagens de muitos santos. De São
Bartolomeu, há cinco imagens, de Nossa Senhora da Lapa três; de São Lourenço
pelo menos três, etc. Isso tem a ver com devoções populares que nela se
sucederam. Vamos colocar aqui uma breve nota sobre cada um.
Para os mais antigos, é conveniente ver o que diz a Flos Sanctorum.
Apesar do título latino, este livro, a Flor dos Santos, está em português e foi
usado durante séculos como fonte de inspiração para os pregadores.
Bartolomeu
O nome Bartolomeu deve significar filho de Ptolomeu. Crê-se
que com ele se refere o apóstolo Natanael, a quem Jesus elogiou ao dirigir-se-lhe
pela primeira vez. Como os outros apóstolos, foi martirizado.
A imagem mais antiga deste apóstolo e mártir na Igreja da
Lapa deve ser a que se guarda no cofre e que teve um relicário ao peito[1];
a da sacristia, ao lado norte do retábulo, sugere-se que ele foi crucificado; a
do retábulo-mor da igreja assemelha-se à do cofre, sem referência ao tipo de
martírio; a do retábulo lateral a ele dedicado tem a originalidade de o
apresentar como vencedor do demónio (ao modo de Nossa Senhora da Conceição ou
do arcanjo São Miguel), o que também se verifica na que está sobre a fachada da
igreja. Mas a vitória de São Bartolomeu sobre o demónio deve ser a mesma de
todos os santos (os inimigos da alma, recorde-se, são mundo, demónio e carne). O resto deve ser
apenas lenda.
Lourenço
Diácono romano de origem hispânica e do século III, queimado
vivo sobre um braseiro, o seu nome consta no cânon romano da missa e no
documento seiscentista das indulgências concedidas à Capela de São Bartolomeu.
Nossa Senhora da Lapa
Sobre esta invocação de Nossa Senhora, não temos nada a acrescentar
ao que dissemos.
Sagrado Coração de
Jesus
A devoção ao Sagrado
Coração de Jesus foi intensamente divulgada principalmente em finais do
século XIX, princípios do XX. Em 1899 o Papa Leão XIII fez a Consagração do mundo
ao Sagrado Coração de Jesus (a pedido duma religiosa alemã então residente no
Porto, a Beata Maria do
Divino Coração). A basílica poveira desta invocação começou a ser
construída em finais do século XIX. Foi sem dúvida esta divulgação que levou a
que se colocasse na igreja a respectiva imagem.
Nossa Senhora das
Neves
Consta que houve na Lapa a imagem de Nossa Senhora das
Neves. Esta devoção teve origem em Roma, na Basílica de Santa Maria Maior, e é
assim muito antiga. Há capelas dedicadas a esta invocação em Bagunte e na
Azurara. Não se conserva hoje na Igreja da Lapa a respectiva imagem.
Nossa Senhora de
Fátima
A invocação de Nossa Senhora de Fátima teve origem nas
aparições aos Pastorinhos na Cova de Iria, em 1917. Esta devoção tende a sobrepor-se
a outras invocações marianas antigas, o que se está a passar também na Lapa.
António de Lisboa
Importante santo português franciscano cuja acção teve grande
impacto em todo o mundo cristão.
Nascido em Lisboa num dos anos finais do século XII, Santo António
faleceu em Pádua, em 13 de Junho de 1231. Primeiramente foi frade agostinho no
Convento de São Vicente de Fora, em Lisboa, indo posteriormente para o Convento
de Santa Cruz, em Coimbra, onde aprofundou os seus estudos religiosos através
da leitura da Bíblia e da literatura patrística, científica e clássica.
Tornou-se franciscano em 1220 e viajou muito, vivendo inicialmente em Portugal,
depois na Itália e na França. No ano de 1221 fez parte do Capítulo Geral da
Ordem de Assis, a convite do próprio São Francisco, o fundador, que o convidou
também a pregar contra os albigenses em França. Foi transferido depois para
Bolonha e de seguida para Pádua, onde morreu aos 36 (ou 40) anos. Foi o
primeiro doutor da Igreja da ordem franciscana.
Águeda
Natural de Sicília, Águeda ou Ágata é uma das muitas santas
e santos mártires das perseguições romanas anteriores à liberdade concedida à
Igreja por Constantino. Era mencionada no cânon romano da missa.
André
O apóstolo Santo André era irmão de São Pedro, natural de
Betsaida, junto ao mar da Galileia, não longe de Cafarnaum, a cidade próxima da
estrada de Damasco donde a pregação de Jesus irradiou para a Galileia. Terá sido
discípulo de São João Baptista. Nos Evangelhos é repetidamente referido, o que
o mostra como um dos mais destacados do grupo dos Doze. Foi martirizado.
Apolónia
Natural de Alexandrina, no Egipto, Santa Apolónia foi vítima
de terrível perseguição que suportou heroicamente. Era invocada contra as dores
de dentes.
Ifigénia
Santa Ifigénia é uma santa etíope dos primeiros tempos do
cristianismo, que a lenda relaciona com São Mateus. Não conhecemos a sua imagem
na Igreja da Lapa.
Inácio
Presumimos que o Santo Inácio que se venerou na Igreja da
Lapa fosse Santo Inácio de Antioquia, um importante santo dos começos do
cristianismo, que deixou escritos.
Luzia
Santa Luzia, natural de Siracusa, Sicília, é, como as Santas
Águeda e Apolónia, também uma virgem e mártir cristã dos anos finais da
perseguição romana contra a Igreja. É padroeira dos oftalmologistas e daqueles
que têm problemas de visão.
Marcos
Discípulo de São Pedro e de São Paulo, autor do segundo
evangelho. Na realidade o Evangelho de São Marcos é anterior ao de São Mateus,
já que foi São Marcos o autor da primeira narrativa evangélica.
Matias
De acordo com os Actos dos Apóstolos, São Matias foi
escolhido para ocupar o lugar do traidor e suicida Judas.
Na base da imagem que se encontra na Igreja da Lapa um
letreiro latino tem estas duas palavras Mathias
vocor, que significam “sou chamado Matias”.
Nicolau
O bispo São Nicolau terá morrido em 350 na Turquia; ficou conhecido
pela sua caridade e afinidade com as crianças. Devido à sua imensa generosidade
e aos milagres que lhe foram atribuídos, foi canonizado e tornou-se um símbolo
ligado directamente ao nascimento do Menino Jesus. Daí ocorrer associado ao presépio
e à Sagrada Família. São Nicolau é um dos santos mais conhecidos da
cristandade.
Ovídio
Santo Ovídio foi um dos primeiros bispos de Braga; no lugar
de Santo Ovídio dos arredores do Porto foi construída a Igreja da Lapa daquela
cidade. Popularmente chamavam-lhe Santo Ouvido
e por isso invocavam-no para males de audição. Santo bastante popular, havia em
Santa Clara uma pintura que o representava.
Sagrada Família
A Sagrada Família é a família de Jesus; compunha-se do
próprio Cristo menino e jovem, sua Mãe Maria e São José. Tudo nesta família
única é misterioso: um menino e jovem que é Deus Connosco, sua Mãe, cheia de
graça, santíssima, e um homem mais comum, justo, São José, socialmente o esteio
do pequeno grupo.
Na Igreja da Lapa, a devoção à Sagrada Família é
consequência da associação recente da Senhora da Lapa à Lapa de Belém.
Terezinha
Santa
Terezinha (1873-1897) era francesa, fez-se carmelita com 16 anos e morreu
aos 24. Deixou um livro, História de uma Alma, que lhe
deu a celebridade. Foi declarada doutora da Igreja, um título só atribuído a mais
três santas. Canonizada em 1925, foi desde logo muito popular em toda a
cristandade.
[1] O relicário era importante
sobretudo em tempos medievais. Conhecem-se referências antigas a relíquias nos
mosteiros de Rates e São Simão da
Junqueira.
Autores que escreveram sobre a Lapa
A devoção à Senhora da Lapa em Vila do Conde começou pelos anos de 1720/1730 na Capela de São Bartolomeu, onde está hoje a Igreja da Lapa. Desconhece-se quem a promoveu, mas conserva-se na sacristia um velho retábulo joanino de altar-mor que deve vir desse tempo.
Coluna joanina do retábulo do altar-mor que se guarda na sacristia da Igreja da Lapa de Vila do Conde e que deve remontar ao tempo em que na antiga capela se acrescentou a devoção à Senhora da Lapa à tradicional de São Bartolomeu.
Breve antologia poética mariana
Uma
página dedicada a um templo mariano dificilmente se aceita sem alguns textos
que exaltem a sublime figura da Mãe de Deus. Colocamos por isso aqui uma breve
antologia de poesia a Ela dedicada.
MAGNIFICAT!
Magnificat é a palavra com que começa em latim o canto de louvor e de gratidão de
Nossa Senhora aquando da sua visita a Santa Isabel, que a declarou
“bendita entre as mulheres”, isto é, a mais notável e a mais santa entre as
mulheres. Vem no Evangelho de São Lucas, o mais
mariano dos quatro evangelistas.
A
versão que se segue foi versificada, rimada e ligeiramente acrescentada por Augusto
Gil (1873-1929).
A
minha alma engrandece,
Glorifica
o Senhor!
E
todo o meu espírito estremece
E
crepita e exulta e resplandece
Em
Deus, meu Salvador!...
Beijo
de orvalho na folhinha de erva
Baixou
Deus da vertigem do infinito
Por
sobre Mim, sua humilhada serva,
A
eterna luz do seu olhar bendito...
E
fiquei para sempre iluminada
Nesse
piedoso e límpido clarão!
E
hão-de chamar-Me bem-aventurada
Sempre,
de geração em geração...
O
seu nome é sagrado:
E
o seu poder que nunca terá fim
(Por
ter em mim poisado)
Não
vistas maravilhas fez em mim!
E
aos que o temem e a quem dele implora
Misericórdia
e protecção clemente,
Deus
encaminha-os — pela vida fora
E
sempre, eternamente...
Manifestou
a força do seu braço
E
aos vãos, aos de orgulhoso pensamento,
Desfê-los
— como a poeira, pelo espaço,
No
turbilhão do vento...
Derruiu
tronos e reis — pô-los de rastros...
— E aos humildes ergueu-os para os astros!
Deixou
os ricos sem riqueza e nome
—
E encheu de bens os que sentiam fome!
Com
desvelado e carinhoso amor,
Protegeu
Israel, seu servidor,
Marcou-lhe
os firmes passos com sinais
De
Bênçãos e clemência,
Conforme
prometera a nossos pais,
A
Abraão e a toda a sua descendência...
E
eis que será perpetuamente assim
Nos
séculos dos séculos sem fim!...
AVE MARIA
A
Ave-Maria é constituída por duas partes: na primeira louva-se a Cheia de Graça,
na segunda pede-se a sua intercessão.
A primeira
parte é constituída por frases retiradas do Evangelho de São Lucas. Sem ele,
não teríamos a Ave-Maria.
Ave
Maria, cheia de graça,
O
Senhor é convosco!
Bendita
sois Vós entre as mulheres,
E
bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus!
Santa
Maria, Mãe de Deus,
Rogai
por nós, pecadores,
Agora
e na hora da nossa morte.
Amém.
SALVE RAINHA
A
Salve Rainha é a mais famosa oração a Nossa Senhora depois do Ave-Maria.
Parece
ter sido sugerida pela própria Mãe de Deus à alma que a recitou pela primeira
vez.
Salve
Rainha,
Mãe
misericordiosa,
Vida,
doçura e esperança nossa, salve!
A
vós bradamos os degredados filhos de Eva,
A
vós suspiramos, gemendo e chorando
Neste
vale de lágrimas.
Eia,
pois, advogada nossa,
Esses
vossos olhos misericordiosos a nós volvei
E,
depois deste desterro, nos mostrai Jesus,
O
bendito fruto de vosso ventre,
Ó
clemente, ó piedosa,
Ó
doce sempre Virgem Maria!
Rogai
por nós, Santa Mãe de Deus,
Para
que sejamos dignos das promessas de Cristo!
Amém.
À VIRGEM
SANTÍSSIMA
Cheia de Graça,
Mãe de Misericórdia
Antero
de Quental (Ponta
Delgada, 18 de Abril de 1842 - 11 de Setembro de 1891) é autor de alguns dos
melhores sonetos de temática religiosa da nossa literatura e também dos mais
conhecidos.
À Virgem Santíssima foi escrito em Vila do Conde e é por isso que aqui se coloca. A Praça
Velha, onde viveu o poeta, fica quase em linha recta para a Senhora da Lapa.
Num
sonho todo feito de incerteza,
De
nocturna e indizível ansiedade,
É
que eu vi teu olhar de piedade
E
(mais que piedade) de tristeza...
Não
era o vulgar brilho da beleza
Nem
o ardor banal da mocidade...
Era
outra luz, era outra suavidade,
Que
até nem sei se as há na natureza...
Um
místico sofrer... uma ventura
Feita
só do perdão, só da ternura
E
da paz da nossa hora derradeira...
Ó
visão, visão triste e piedosa!
Fita-me
assim calada, assim chorosa...
E
deixa-me sonhar a vida inteira!
TU ÉS O SOL NUM
NOVO AMANHECER!
Hoje
continua-se a fazer boa poesia religiosa. Este poema e a sua música surgem aqui
atribuídos a José Alberto e António Ferreira. A primeira quadra é refrão.
Tu és o Sol num novo amanhecer,
Tu és farol, a vida a renascer!
Maria, Maria! És poema de amor,
És minha mãe e mãe do meu Senhor!
Hoje
quero acordar
E
ter-Te junto a mim.
Quero
hoje cantar
Poemas
de amor sem fim!
Com
a luz do teu olhar,
Vou
semear a esp'rança.
Pelo
tempo vou voar
Sentir
que sou criança!
Teu
carinho e ternura
Abraçam
todo o mundo;
Teu
sorriso de candura
Certeza
de amor profundo!
Teu
rosto puro e lindo
É
luz de um novo dia;
É
espaço infinito
De
amor, paz e alegria!
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